Dentre os insumos que devem ser incinerados, estão milhões de doses de vacinas e diversos medicamentos para doenças como câncer, Alzheimer e diabetes.
O Ministério da Saúde deixou vencer o prazo de validade de um estoque de vacinas, testes de diagnósticos, medicamentos e demais insumos de saúde, avaliados em R$ 243 milhões. Muitos dos itens vencidos estão em falta em postos de saúde do país, mas agora, ao perderem a utilidade, devem ser incinerados.
Dentre os produtos perdidos, estão 12 milhões de vacinas de gripe, BCG, hepatite B e varicela. O desperdício do lote, avaliado em R$ 50 milhões, acontece em um momento crítico para a imunização da população, quando a cobertura vacinal para essas doenças vem caindo em todo o país. Ainda entre os itens não utilizados, estão medicamentos destinados a pacientes do Sistema Único de Saúde – SUS para o tratamento de doenças como Alzheimer, artrite reumatoide, câncer, doenças raras, esquizofrenia, hepatite C, Parkinson, problemas renais e tuberculose, bem como para o tratamento de transplantados. Entre as perdas, também estão mais de 800 mil canetas de insulina, que serviriam para tratar pacientes com diabetes.
Em declaração à Folha de S.Paulo, o diretor do Departamento de Logística da Saúde – Dlog, o general da reserva, Ridauto Fernandes, tratou a situação como algo que “acontece”, e comparou com o descarte diário de produtos de supermercado por vencimento do prazo de validade. “Em supermercados, todos os dias, há descarte de material por essa razão”. “É sempre indesejável”, mas acontece “em quase todos os ramos da atividade humana”, acrescentou destacando que não poderia comentar sobre o estoque.
Os insumos que deveriam ser destinados ao SUS ficam estocados no centro de distribuição logística do Ministério da Saúde, em Guarulhos/SP. De acordo com a Folha, mais de 3 milhões de itens que começaram a vencer há mais de três anos, expiraram, em sua maioria, durante a gestão de Jair Bolsonaro.
O Ministério da Saúde também guarda cerca de R$ 420 mil em produtos perdidos dos programas de DST/Aids – sendo R$ 345 mil em testes de diagnóstico –, além de R$ 620 mil em insumos para prevenção da malária.
Dados internos do governo mostram que devem ser incinerados mais de R$ 32 milhões em medicamentos comprados por ordem da Justiça. A maior parte desses fármacos é de alto custo e para tratamento de pacientes de doenças raras, como Nusinersena, cuja dose única custa R$ 160 mil, e mais de 900 frascos de aculizumab, avaliados em R$ 10 milhões.
Em plena pandemia, o governo Bolsonaro também perdeu cerca de 2 milhões de exames RT-PCR para Covid, avaliados em mais de R$ 77 milhões. A fabricante fez uma doação de exames da Covid novos à Saúde para repor o estoque vencido, mas o intervalo e a burocracia até a chegada do produto fizeram cair a entrega dos exames ao SUS, como mostrou a Folha.
O Ministério ainda guarda 2,2 milhões de exames sem validade para o diagnóstico de dengue, zika e chikungunya, todos vendidos pelo laboratório público Bahiafarma. Estes lotes custaram cerca de R$ 60 milhões e foram interditados em 2019 por ordem da Anvisa. A Saúde não informou se pediu ressarcimento ou reposição destes exames. Com isso, ao todo, os testes de diagnóstico sem validade respondem por cerca de 60% (R$ 140 milhões) do valor dos insumos vencidos.
O estoque é mantido em sigilo pelo Ministério da Saúde, e o acesso aos dados sobre produtos armazenados ou vencidos é negado, por meio do uso de documento interno, prática já considerada como inadequada pela Controladoria-Geral da União – CGU. Mesmo com este impedimento, a Folha de S.Paulo teve acesso a tabelas do ministério com dados sobre os itens, número de lote, data de validade e valor pago pelo governo.