Imunização em massa deve ser acompanhada de medidas de isolamento social. Tipo de imunizante tampouco é relevante. Chile, que usou Coronavac, e Israel, que usou Pfizer, retomam medidas sanitárias.
As vacinas ajudam sim, mas sozinhas não fazem mágica no controle da pandemia de covid-19. Que o diga nosso vizinho Chile, país líder da vacinação na América Latina e que teve que voltar a colocar 70% população em quarentena após a alta de contágios de coronavírus entre março e abril de 2021. Uma onda que foi mais forte do que a primeira – registrada em junho de 2020 – mesmo com 45% de sua população, 7 dos 19 milhões de habitantes, vacinados à época. No Brasil, o temor é que caminhemos para o mesmo desfecho que o país andino.
Com 36% da população brasileira vacinada com pelo menos uma dose, e apenas 12,8% com as duas, há a sensação em boa parte dos vacinados de que a normalidade nunca esteve tão perto. Em São Paulo, não é raro ver bares e restaurantes lotados. Um cenário que se repete em praticamente todas as capitais do país. Nas ruas, nos shoppings, nas rodoviárias, nos aeroportos, aonde quer que se vá, há uma mescla de cansaço com a vida em suspensão que a pandemia nos trouxe e a ansiedade por um futuro de retomada daquela vida, trancada em março de 2020.
No entanto, especialistas advertem para os riscos de depositar apenas na vacinação a confiança para o fim da pandemia. Apesar da cobertura vacinal ampla, ou seja, uma porcentagem alta da população vacinada – uma realidade ainda distante para o Brasil – ser um dos principais fatores para o controle da crise sanitária, senão o principal, o controle das taxas de transmissão dos vírus, dos casos ativos e do índice de leitos ocupados também são fundamentais para a volta à normalidade. O avanço da vacinação deve ser acompanhada de medidas escalonadas de levantamento das restrições.
O médico infectologista Ricardo Paul Kosop explica que para uma pessoa ser considerada imunizada à Covid-19, ela deverá ter tomado as duas doses da vacina e ter observado o período mínimo após a imunização, que em geral é de duas a quatro semanas, o que permitirá que o organismo crie uma resposta imune robusta. No entanto, enfatiza que não basta apenas a vacinação, mais do que nunca é necessário atitude coletiva. O médico afirma que apesar de uma pessoa imunizada não desenvolver um quadro grave da doença ou até mesmo não apresentar sintomas, ela pode sim ser uma portadora da doença, e transmitir para os que ainda não foram vacinados, aumentando, também, o risco da disseminação de novas variantes. Outra regra repetida é que importa qual a fatia da população total foi completamente imunizada.
Kosop explica que, até o momento, as vacinas se mostraram eficazes contra as variantes do coronavírus. No entanto, há que se manter a atenção. As variantes de preocupação já são observadas de perto pela literatura médica pois ainda pouco se sabe sobre a resposta imune gerada pelas vacinas com relação a elas. É o caso da variante delta, que foi detectada pela primeira vez na Índia, que em abril vitimou uma grávida do Paraná e na semana passada um tripulante indiano que chegou ao Maranhão. A disseminação da nova cepa preocupa as autoridades vez que os contágios no Brasil ainda continuam altos – em 23 de junho, o país registrou recorde de novos contágios com 115.000 notificações em 24 horas, mas desde então vem caindo, ainda que permaneça em patamar alto – mesmo com a vacinação avançando. Neste domingo, o Brasil contabilizou quase 28.000 novos casos, e, na média dos últimos 7 dias, o número de novos contágios está em torno de 50.000. Até agora, 524.417 já morreram vítimas da Covid-19 no Brasil e média de mortes diárias está em torno de 1.500 por dia, entre as mais altas do mundo.
Israel – Com 60% dos 9,3 milhões de cidadãos vacinados com as duas doses da vacina da Pfizer-BioNTech, Israel é outro claro exemplo de como a imunização não elimina a necessidade de medidas de controle e distanciamento social. Dez dias após levantar a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais fechados, as autoridades sanitárias do país reintroduziram a sua obrigatoriedade em razão da alta de novo casos de infecção – 70% deles pela variante delta da Covid-19. Um repique que coincide com o aumento de voos vindos do exterior, autorizados em principio apenas para os residentes. Reino Unido, Estados Unidos e a cidade de Sidney também recrudesceram as medidas de controle e distanciamento social em decorrência da disseminação da cepa indiana.
O médico Ricardo Paul Kosop afirma que há o risco destas novas cepas desenvolverem algum grau de resistência a mecanismos como as vacinas caso a circulação delas seja facilitada. “Quando há muita gente infectada ao mesmo tempo e há uma nova variável, como é o caso das novas cepas, forma-se uma fórmula complexa. E, se para complementar há um grande número de pessoas vacinadas parcialmente (com apenas uma dose) e que circulam, dá-se chance para o vírus se adaptar, em um esquema darwiniano puro. É o mesmo raciocínio do que acontece com as bactérias e antibióticos, mas com mecanismos distintos”, explica o infectologista.
Escolher vacina não tem sentido – Por isso, o médico argumenta, o isolamento social continuará sendo essencial nos próximos meses, como uma medida de controle que trabalhará em conjunto com a vacinação. “O vírus que não circula não replica. Se ele não replica, ele não sofre mutação e se não sofre mutação, ele não ficara resistente nem à vacina, nem a tratamentos”, complementa Kosop.
O reforço vacinal (aplicação de uma terceira dose) é uma das possibilidades colocadas em mesa pela Organização Mundial da Saúde – OMS, principalmente para os grupos mais vulneráveis. No Chile, que teve que voltar a impor a quarentena à sua população, a viabilidade da terceira dose já é estudada pelos cientistas do país. Caso seja segura, o Ministério da Saúde e das Ciências do país avalia apostar em duas estratégias: uma dose de reforço do mesmo laboratório das duas doses prévias, ou uma combinação de imunizantes de farmacêuticas diferentes. A Pfizer também já anunciou que uma terceira dose será “provavelmente” necessária.
O caso do Chile é especialmente importante do ponto de vista do Brasil porque o país usou majoritariamente Coronavac, de tecnologia chinesa, uma das vacinas mais utilizadas em território brasileiro. De acordo com um estudo em grande escala realizado com a informação de 10,5 milhões de chilenos e divulgado em abril, a vacina tem 80% de efetividade para prevenir mortes, 14 dias depois da segunda dose.
No Brasil, o Instituto Butantan também conduziu uma vacinação em massa com a Coronavac na cidade de Serrana, no interior de São Paulo, e encontrou resultados a serem celebrados: o imunizante foi efetivo em 89% para evitar a internação de pacientes críticos em UTIs, em 85% para prevenir as hospitalizações e 67% para impedir a infecção sintomática da doença. Os primeiros resultados preliminares mostraram que a vacinação diminuiu em 95% o número de mortes por covid-19 enquanto a crise sanitária se intensificava em cidades vizinhas que não tiveram vacinação em massa.
Os números reforçam o que os especialistas repetem há semanas: salvo situações muito específicas, como a das gestantes, todas as vacinas aprovadas no Brasil pela Anvisa – AstraZeneca, Coronavac, Pfizer e Janssen – são seguras e oferecem proteção, ainda que não de 100%. Por isso, não faz sentido ficar escolhendo qual tomar. A chamada falha vacinal, quando, mesmo com as duas doses, o indivíduo adoece, é esperada, já que depende também da situação do imunizado. Os números mostram, no entanto, que é raro.
O certo é, ainda que sejam publicados cada vez mais estudos, ainda é cedo para saber com clareza o poder de proteção de cada vacina em um cenário real e até que ponto evitam infecções assintomáticas. Também não se sabe quanto tempo dura a imunidade, algo que só o tempo dirá.