Prestes a bater meio milhão de mortos na pandemia, país registra 2.997 óbitos em 24 horas e mais de 95.000 casos. Cobertura vacinal lenta e fim precoce de restrições formam coquetel da terceira onda antecipada por especialistas.
Não há surpresas. Como antecipado por especialistas ao longo de maio, o Brasil mostra sinais mais contundentes da terceira onda da pandemia. O país registrou nesta quarta-feira, 16, mais 2.997 mortes causadas pelo coronavírus, atingindo desde o início da crise sanitária 493.693 óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde. Desde o fim de abril não havia um número tão alto de mortos registrados em 24 horas. A alta do número de casos – mais de 95.000 diários – também é preocupante e casa com um alerta divulgado pelo Imperial College, de Londres, que afirmou que a taxa de transmissão do coronavírus subiu esta semana e está em 1,07. Ou seja, pelos cálculos da instituição britânica, cada 100 pessoas transmitem a doença para outros 107 brasileiros.
A média móvel de óbitos nos últimos sete dias – a soma dos dados de sete dias e a divisão do resultado por sete, para corrigir mudanças bruscas nos registros nos fins de semana – já ultrapassa 2.000 mortes novamente, após um período de queda a partir de meados de abril. Os dados são os compilados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde – Conass. “Já somos, de novo, o país que mais mata pessoas no mundo na pandemia”, diz o neurocientista Miguel Nicolelis. O Brasil responde por cerca de 25% de todas as mortes diárias provocadas pelo novo vírus no mundo atualmente. “É como se Florianópolis sofresse um ataque nuclear e toda a população da cidade, por volta de 500.000 habitantes, desaparecesse num piscar de olhos”, compara Nicolelis, citando o total de vítimas da pandemia até agora.
Não há nada no panorama atual que aponte para uma melhora rápida do quadro: o Brasil tenta acelerar a vacinação, mas ainda exibe índices muito baixos de imunização completa da população. Menos de 15% dos brasileiros receberam as duas doses necessárias da vacina contra a Covid-19. Por outro lado, a maior parte das regiões do país segue flexibilizando restrições de circulação, mesmo com a alta de contágios. O país ainda abriga no momento a Copa América, com a circulação de delegações estrangeiras de equipes de futebol de toda a América do Sul. Até o momento, 52 casos positivos para Covid-19 foram detectados entre atletas e staff.
A situação nos Estados varia. Em São Paulo, que acumula o maior número de mortes no país, foram 22.582 novos casos do novo coronavírus registrados na quarta-feira, o oitavo maior número diário desde o início da pandemia. A margem de manobra segue estreita nos hospitais do Estado, o mais rico do país, que mantêm mais de 80% de ocupação para as UTIs exclusivas para Covid-19. “Analisando os dados de São Paulo, vemos que a tsunami de casos está vindo do interior”, diz Nicolelis. Na capital paranaense, Curitiba, a situação segue crítica. A taxa de ocupação dos leitos de UTI SUS exclusivos para a doença está em 102%.
Governo, agora, tenta mais doses da Pfizer – Acossado pela CPI da Pandemia, o governo Bolsonaro tenta fazer anúncios positivos sobre a vacinação, após documentos provarem que o Planalto e o Ministério da Saúde deliberadamente recusaram ofertas de fabricantes, especialmente da Pfizer, no segundo semestre de 2020. Na quarta, o ministro Marcelo Queiroga anunciou a antecipação da chegada de 7 milhões de doses da vacina da farmacêutica norte-americana ao Brasil em julho – a previsão original, segundo ele, era de 8 milhões de doses da fabricante no mês que vem.
O esforço de vacinação, porém, não vai conter uma nova onda de contágios e mortes, preveem os especialistas, e citam os exemplos do Reino Unido e do Chile, onde a imunização já está bastante avançada. Na terça-feira, 15, o premiê britânico Boris Johnson anunciou o adiamento de até quatro semanas no chamado Dia da Liberdade, o fim das restrições contra o coronavírus. A variante indiana (ou delta), que se espalhou pelo país a um ritmo preocupante nas últimas semanas, frustrou os planos de Johnson. Já Santiago, a capital chilena, voltou ao confinamento após a alta de internações por Covid-19, especialmente de jovens ainda não vacinados.