Em depoimento, Marcellus Campêlo diz que Ministério da Saúde enviou equipamento veterinário ao Estado e que os repasses federais chegaram quando as taxas de internação já estavam caindo. Ele também relatou “ênfase” do Ministério da Saúde em promover drogas ineficazes durante a crise.
O ex-secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, afirmou na terça-feira, 15, em depoimento à CPI da Pandemia que a ajuda do governo federal chegou tarde ao Estado e que, mesmo diante da escalada da crise do oxigênio, a gestão Jair Bolsonaro seguiu pregando a prioridade do ineficaz “tratamento precoce” contra a doença provocada pelo novo coronavírus. “O repasse de recursos do governo federal, quando chegam, chegam em um momento de diminuição de taxas [de ocupação dos leitos]”, afirmou. “O investimento foi feito em sua maior parte pelo governo do Amazonas”, disse.
Além da demora, Campêlo revelou que o Ministério da Saúde enviou equipamentos errados ao Estado, o primeiro a colapsar na pandemia. De acordo com ele, ainda na gestão do ex-ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, o Amazonas requisitou respiradores ao governo federal, que enviou cerca de 80 equipamentos, sendo que cerca de dez deles eram de uso veterinário. “Foi feita a devolução”, afirmou Campêlo.
A cidade foi palco de um colapso em sua rede hospitalar no início do ano, com dezenas de pacientes com Covid-19 morrendo sufocados por causa da falta de oxigênio medicinal. O caso rendeu um inquérito contra Pazuello no Supremo Tribunal Federal – STF e é apontado por críticos do governo federal como um dos maiores símbolos do descaso do presidente Jair Bolsonaro e seu círculo em relação à pandemia.
Os senadores tentam precisar o momento exato em que o governo Bolsonaro foi avisado sobre a crise no estado e se a União executou ações para conter o colapso.
A afirmação de Campêlo contradiz o depoimento que Pazuello prestou à comissão. O general disse que só teria sido informado sobre problemas no fornecimento de oxigênio no dia 10 de janeiro. Campêlo, por sua vez, afirmou que contatou o então ministro tanto no dia 7 quanto no dia 10.
Apesar de ter falado com Pazuello no dia 7, e também no dia 10, presencialmente, o ex-secretário disse que, de seu conhecimento, não houve resposta por parte do Ministério da Saúde a uma série de ofícios enviados pelo governo local sobre o problema de desabastecimento.
Pazuello já informou datas diferentes sobre quando teria sido alertado sobre os problemas, chegando a apontar dias díspares como 8 e 17 de janeiro, até fixar o dia 10 de janeiro no seu depoimento aos senadores. Documentos do próprio Ministério da Saúde também indicam que ele foi efetivamente avisado em 7 de janeiro.
Questionado ainda se o Ministério das Relações Exteriores atuou para ajudar a levar oxigênio de outros países para a rede hospitalar do Amazonas, Campêlo afirmou que não teve conhecimento de alguma ação nesse sentido.
Críticas – Apesar das afirmações que colocam mais pressão sobre o governo federal, Campêlo minimizou a crise do oxigênio de Manaus afirmando que a cidade registrou a intermitência de abastecimento de oxigênio apenas nos dias 14 e 15 de janeiro. “Não foram apenas dois dias”, interrompeu o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
A CPI também exibiu um vídeo com reportagens do final de janeiro que mostravam a extensão do colapso e pessoas comprando oxigênio para parentes que sofriam com a covid-19. “As pessoas não iriam comprar se não tivesse colapsado”, disse o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) também criticou o ex-secretário afirmando que as medidas para lidar com a falta de oxigênio no Amazonas deveriam ter sido tomadas com antecedência, já que os sinais de colapso já estavam escancarados há meses. “Não subestime o nosso raciocínio”, disse a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), mencionando que mais de 2 mil óbitos foram registrados no estado entre os dias 6 e 30 de janeiro.
Pressionado pelos senadores, Campêlo acabou reconhecendo que o governo do Amazonas não comprou usinas de oxigênio para suprir a demanda nem mesmo depois do fim da crise, em janeiro. O ex-secretário disse que foram abertos processos para compra, mas que eles não foram bem-sucedidos.
O senador Eduardo Braga também leu, durante a sessão, uma carta da empresa fornecedora de oxiênio White Martins endereçada ao governo amazonense que alertava para uma eventual escassez do elemento químico já em julho de 2020. Em setembro, a empresa reforçou o alerta. “Não para dá dizer que você não sabia, que você não poderia comprar uma usina”, disse Braga.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, disse que o colapso em Manaus ocorreu com a participação de dois gestores (Pazuello e Campêlo) que não tinham conhecimento da área de saúde.
“Sentado na cadeira do Ministério da Saúde, o general que não sabia sequer o que era o SUS. Sentado na cadeira de secretário de Saúde, um engenheiro que não tinha experiência absolutamente nenhuma em medicina sanitária, epidemiológica. Eu acho que esse casamento deu a tragédia de Manaus”, disse Alencar.
Campêlo é investigado por suspeita de fraude na contratação de hospitais de campanha e uso de verbas federais durante a pandemia. Ele comandou a Secretaria de Saúde do Amazonas até 7 de junho, quando pediu para deixar o cargo após ser preso na Operação Sangria. O governador do Amazonas, Wilson Lima, também é investigado no âmbito da mesma operação.
Remédios ineficazes e aplicativo – O ex-secretário Marcellus Campêlo também afirmou que o estado enviou em 31 de dezembro de 2020 um ofício ao governo Bolsonaro sobre a situação cada vez mais grave da saúde no Amazonas. A resposta do governo foi incentivar ainda mais o chamado “tratamento precoce”, o coquetel de drogas ineficazes propagandeado por Bolsonaro e figuras da extrema direita.
Em 4 de janeiro de 2021, os membros do governo amazonense receberam a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, a “capitã cloroquina”, que já prestou depoimento à CPI. “Vimos uma ênfase da doutora Mayra no tratamento precoce”, disse.
“A visita da doutora, no dia 4, tinha um enfoque muito forte e firme no tratamento precoce. Foi uma reunião gravada, uma reunião aberta, inclusive, à imprensa, onde ela falava isso e falava de um sistema chamado TrateCov a que, depois, nós teríamos acesso”, completou Campêlo.
Ele também falou que o governo federal enviou ao estado 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina após a primeira visita de Mayra Pinheiro. O ex-secretário, no entanto, disse que essa remessa foi distribuída a municípios e que o governo do estado não adotou oficialmente “o tratamento precoce”. “A rede estadual não faz tratamento precoce. Não orientava o uso [da cloroquina]”, disse.
Poucos dias depois, Manaus foi palco do lançamento do TratCov, um aplicativo que recomendava indiscriminadamente cloroquina até mesmo para bebês. Pazuello participou da cerimônia de lançamento da ferramenta. Mais tarde, ele tentou argumentar que o aplicativo era um “protótipo” que havia ido ao ar indevidamente, mesmo com a ferramenta aparecendo disponível no site do ministério. Pinheiro também fez um discurso entusiasmado sobre o TrateCov em Manaus. Indagado sobre o aplicativo, Campêlo disse que no lançamento do aplicativo nem sabia “do que se tratava”.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, perguntou a Campêlo se a suposta tese da imunidade de rebanho gerada pela primeira onda de casos de covid-19 no Amazonas, em 2020, teria influenciado políticas de saúde no estado. “Essa tese nunca foi ventilada em qualquer reunião de que eu tenha participado”, respondeu Campêlo.