Apelo à farmacêutica, que teve 81 e-mails ignorados pelo governo federal, ocorre um dia após o governo de São Paulo anunciar novo calendário de imunização. Lembrando que a Pfizer fez primeira oferta ao Brasil em agosto do ano passado, mas contrato só foi fechado em março.
Após ignorar diversos e-mails da farmacêutica Pfizer, que ofertavam ao Brasil a vacina contra a Covid-19, o governo federal se reuniu, na segunda-feira, 14, com a empresa para pedir a antecipação de doses da vacina Cominarty já adquiridas pelo Ministério da Saúde. A reunião contou com a presença do presidente da República, Jair Bolsonaro, que no início do ano chegou a criticar as cláusulas de contrato oferecidas pela Pfizer.
A reunião, que não constava da agenda oficial de Bolsonaro, terminou sem uma definição. A Pfizer ficou de estudar qual quantidade poderia ser antecipada.
Além de Bolsonaro, participaram da reunião virtual os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga; da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos; e das Relações Exteriores, Carlos França; o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto; e o secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, almirante Flavio Rocha.
O encontro foi realizado com o presidente da Pfizer da América Latina, Carlos Murillo e com a presidente da Pfizer Brasil, Marta Díez, que participaram da reunião de forma remota. Murillo já foi ouvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 e revelou no depoimento que enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e a ministros do governo reforçando a oferta de vacinas ao Brasil em 12 de setembro de 2020. A carta, no entanto, não foi respondida por nenhum dos destinatários.
O governo tem, neste momento, dois contratos com a Pfizer que envolvem, juntos, 200 milhões de doses para este ano. O primeiro contrato foi fechado em março, e o segundo em maio. Os acertos ocorreram após uma série de recusas a ofertas da empresa, o que acabou alterando o calendário inicial de entregas, que previa doses mais cedo nas primeiras propostas.
Com os contratos firmados, as primeiras entregas começaram em abril. Outras devem ocorrer até dezembro. Para este mês, são previstos 12 milhões de doses, e para julho, 8 milhões.
“Virar jacaré” – A celeridade pedida agora pelo governo Bolsonaro contrasta com a demora em responder às ofertas iniciais feitas pela Pfizer, a partir de agosto do ano passado. Um contrato com a farmacêutica foi firmado apenas em março deste ano, para a compra de 100 milhões de doses.
Segundo o depoimento do presidente da Pfizer para a América Latina à CPI, a primeira oferta feita pela Pfizer, em 14 de agosto, propunha a compra de até 70 milhões de doses da vacina, com as primeiras 500 mil doses a serem entregues ainda em 2020.
Antes de fechar o contrato com a Pfizer, Bolsonaro chegou a dizer publicamente que tomar a vacina da empresa poderia transformar as pessoas em jacarés e, em várias ocasiões, criticou as condições do laboratório para a venda de seu imunizante.
“Lá, no contrato da Pfizer, está bem claro: nós [a Pfizer] não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema seu”, disse o presidente em meados de dezembro.
Além de questionar diversas vezes a eficácia de vacinas contra a Covid-19, Bolsonaro minimizou repetidamente a gravidade da doença, classificando-a de gripezinha, promoveu insistentemente o uso da cloroquina – medicamento antimalárico sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus –, e sabotou medidas de combate à pandemia. No último fim de semana, o presidente participou de um passeio de moto com apoiadores pelas ruas da capital paulista e foi multado por não usar máscara durante a manifestação.
A CPI da Pandemia, instalada no fim de abril pelo Senado, investiga o governo federal por ações e omissões do governo federal no enfrentamento da doença, incluindo as negociações com a Pfizer.
Segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, 81 correspondências foram enviadas pela Pfizer ao governo Bolsonaro entre março do ano passado e abril deste ano, e cerca de 90% ficaram sem resposta.
Reunião após anúncio de Doria – A reunião desta segunda-feira com representantes da Pfizer ocorreu um dia depois de o governador de São Paulo, João Doria, adversário político de Bolsonaro, antecipar em 30 dias o cronograma de imunização contra a Covid-19 no estado. Doria prometeu vacinar todos os adultos de São Paulo com ao menos uma dose até meados de setembro. O plano anunciado pelo Ministério da Saúde até agora prevê vacinar todos os adultos até o fim do ano.
Quase 500 mil brasileiros já morreram de Covid-19, e mais de 17 milhões de infecções com o novo coronavírus foram confirmadas no país. Até agora, apenas 11,2% da população foi completamente vacinada, segundo levantamento da imprensa brasileira – sendo a maioria das doses aplicadas da Coronavac e da AstraZeneca.
As primeiras doses da vacina da Pfizer, que estudos apontam ter 95% de eficácia, chegaram ao Brasil somente no fim de abril e começaram a ser usadas no início de maio. Após as 100 milhões de doses acordadas em março, o governo fechou um segundo contrato em maio para o fornecimento de mais 100 milhões.
Para este mês, está prevista a entrega de 12 milhões de doses, e para julho, de 8 milhões. O imunizante é o único contra a Covid-19 que já teve o registro definitivo aprovado pela Anvisa.