Reportagem do Jornal Nacional mostra que ex-ministro da Saúde nomeou militar responsável por autorizar contratos que somaram quase R$ 30 milhões em reformas de prédios antigos e usaram a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes; AGU determinou anulação após suspeitas de irregularidades.
Sob a gestão do general Eduardo Pazuello, em meio à pandemia da Covid-19, o Ministério da Saúde atuou para desembolsar, sem licitação, quase R$ 30 milhões em obras no prédio da pasta, no Centro do Rio de Janeiro, e galpões para armazenamento de arquivos, na Zona Norte do município. Empenhados no ano passado em ritmo de urgência justificado com a crise sanitária, os valores só não foram efetivamente gastos porque a Advocacia Geral da União – AGU identificou indícios de irregularidades e cancelou os repasses. As informações foram reveladas na terça-feira, 18, pelo Jornal Nacional, da TV Globo.
Os contratos em questão devem se tornar alvo de uma apuração da AGU e foram celebrados pelo coronel da reserva do Exército George Divério, superintendente estadual do Ministério em território fluminense. Divério comandava uma fábrica de explosivos antes de ser alçado ao cargo em junho de 2020, em meio a um processo de militarização da pasta, promovido por Pazuello, hoje ex-ministro.
Em novembro, num período de 2 dias, Divério autorizou duas contratações sem licitação que somam cerca de R$ 28,8 milhões. Só no preço dos galpões foi de R$ 8,9 milhões. Essa área fica em Del Castilho, na Zona Norte da cidade. A escolhida para a reforma foi a empresa LLED Soluções. Os dois sócios da empresa já se envolveram em um escândalo em contratos com as Forças Armadas.
Fábio de Rezende Tonassi e Celso Fernandes de Mattos eram donos da Cefa-3, que fornecia material de informática para a Aeronáutica, em 2007. Uma investigação mostrou que o material vendido não foi entregue, em uma fraude aos cofres públicos de mais de R$ 2 milhões.
No processo na Justiça Militar, Fábio Tonassi foi condenado à prisão em terceira instância, mas segue recorrendo em liberdade. A empresa Cefa-3 está proibida de celebrar contratos com o Governo Federal por cinco anos, até 2022.
Os mesmos sócios abriram uma empresa nova, a Lled. Eles continuam apresentando as Forças Armadas como principais clientes. No governo Bolsonaro, a empresa ganhou R$ 4 milhões em contratos. A sede da empresa não tem nem nome na porta.
O processo de reforma dos galpões é mantido em sigilo no portal público do Ministério da Saúde. A postura foi criticada pelo advogado e professor Carlos Ari Sundfeld, um dos principais especialistas em contratos públicos do país. “A publicidade, transparência da administração pública é um requisito da moralidade para evitar desvios. E, no caso da pandemia, como se autorizou, em algumas situações, a fazer contratos sem licitação. A lei exigiu ainda mais transparência, mais rapidez em colocar as informações – todas elas – à disposição do público. Se as informações não estão disponíveis, tem alguma coisa errada”, afirmou.
Outra Obra –Também no mês de novembro, o coronel George Divério autorizou uma reforma na sede do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. O valor do contrato é de R$ 19,9 milhões. Novamente, não houve licitação.
A obra foi considerada urgente com os mesmos argumentos usados no galpão. Nas propostas são os mesmos argumentos, incluindo longos trechos idênticos. A obra inclui reforma do auditório com 282 poltronas novas custando R$ 2,8 mil cada uma.
“Numa pandemia, é urgente contratar remédios, contratar equipamentos, contratar profissionais que atendem diretamente a população. Mas não é urgente reformar prédios públicos para fins burocráticos e outras finalidades que são comuns, são do dia-a-dia da administração. Essas coisas não podem ser contratadas sem licitação sob o pretexto de que nós estamos numa pandemia”, critica o advogado e professor, Carlos Ari Sundfeld.
A reportagem mostrou que a empresa escolhida, sem licitação, para uma obra de R$ 20 milhões, fica em Magé, na Baixada Fluminense, numa área dominada pela milícia.
Jean Oliveira teria sido o dono e o único gestor da microempresa “SP Serviços”. Os únicos contratos dela com a União tinham sido com a Indústria de Material Bélico (Imbel) ligada ao Exército. Mais exatamente, com a fábrica da Estrela, a fábrica de explosivos que, na época, era dirigida pelo coronel George Divério, o homem nomeado por Pazuello para comandar o Ministério no Rio. Divério contratou três vezes a empresa de Jean Oliveira sem licitação.
Investigação – Diante de tantos indícios, a Advocacia-Geral da União – AGU não aprovou as duas dispensas de licitação. Depois de assinados, os contratos da reforma no ministério e nos galpões foram anulados. Mesmo assim, a AGU quer que a investigação continue para verificar se há indícios de conluio entre os servidores e a empresa contratada.
A Superintendência do Ministério da Saúde no Rio declarou que atuou dentro da normalidade em relação à dispensa de licitação, que os processos foram anulados e encaminhados à Corregedoria-Geral do ministério e que atua com transparência e lisura nos processos.
A empresa LLED declarou que não tem nenhuma relação com a CEFA-3 e que é apta a participar de licitações, tanto de forma técnica, quanto de forma fiscal.