Via CUT Santa Catarina, por Silvia Medeiros
Encontro Catarinense das Mulheres CUTistas relembra os 30 anos de políticas das mulheres da central e traz debates sobre os muitos preconceitos e desigualdades que temos que romper
Dia 2 de fevereiro, um dia triste, recém tinha chego as informações que Marisa Letícia Lula da Silva havia falecido. Os olhos ainda lacrimejavam, mas a vida tinha que seguir e a realização do Encontro Catarinense das Mulheres CUTistas, representava mais um passo e a sequência da luta da ex-primeira dama.
Com a foto da Marisa estampada no telão, com um abraço de companheira em companheira, as mais de 60 mulheres trabalhadoras que se inscreveram para participar do debate na Escola Sul em Florianópolis, foram se acomodando e se encontrando nas falas das lideranças feministas que ocuparam a mesa de debate. A diretora da Fetessesc, Vilmair Balduíno, e a diretora do Sitessch participaram do evento.
30 anos de história - As primeiras falas foram das mulheres trabalhadoras da central, as lideranças do movimento nacional e estadual, que ajudaram na construção dos 30 anos de política de mulheres da CUT.
Anna Julia Rodrigues, presidente da CUT-SC, primeira mulher a assumir esse posto, refletiu sobre as barreiras que as mulheres já enfrentaram e de como a organização do movimento, fez com que trouxessem resultados para as trabalhadoras do país. “Estamos passando por um dos piores períodos desde a criação da CUT. Nossos direitos estão sendo arrancados, assim como foi arrancada a nossa presidente. Quem mais vai sofrer com todas as reformas desse governo ilegítimo? Nós mulheres. Por isso que devemos nos unir, juntar nossas forças e lutar para impedir que retirem os nossos direitos”, ressaltou Anna Julia.
unéia Martins Batista, Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT participou do Encontro e trouxe para as mulheres um histórico das trabalhadoras dentro da central. “Quando a gente vê a nossa história, a gente percebe do quanto somos capazes!”
A primeira pauta aprovada na CUT sobre gênero foi sobre autonomia dos corpos das mulheres, depois foi a questão das creches e em 1993 a aprovação da garantia de 30% de vagas da direção da CUT para mulheres. Em seguida, outra pauta levantada pelas mulheres da CUT, foi intitulada comoIgualdade e Oportunidade na Vida, que trouxe um debate sobre a diferença salarial entre homens e mulheres. Em 2003, a pasta das mulheres passa de coordenação para Secretaria de Mulheres Trabalhadoras da CUT, ganhando um status de executiva dentro da central. Três anos depois, com as mulheres mais empoderadas, o debate é sobre a vida das mulheres e a dupla e tripla jornada. Anos depois o tema é sobre a violência sexista, em todas as suas formas. Depois disso voltou o debate sobre a paridade na direção e ao invés de 30%, as mulheres conquistaram 50% de paridade dentro das direções da CUT nacional e CUTs estaduais (metade da direção de mulheres, metade de homens).
Junéia ressalta que agora em 2017 o centro do furacão é a reforma da previdência que vai atingir primeiro as mulheres e em especial as mulheres rurais. “Temos muitas lutas e não vamos deixar nos abalar, em respeito a toda história das mulheres que já batalharam pelo que temos hoje, por todas as mulheres trabalhadoras, por Dona Marisa, nós vamos lutar!”.
Ainda há muito o que fazer - Entre o público só de mulheres havia um homem sentado entre elas. Algumas estranharam e cochicharam entre si. “O que fazia aquele homem, ter interesse num debate sobre os desafios das mulheres na sociedade e no mundo do trabalho?”. A mesa é composta e justamente o único homem da plateia é chamado para dividir o debate junto com outras duas mulheres. Christian Pedro Mariano é o primeiro a falar. “Nasci uma menininha, vesti rosa, brinquei de boneca, ajudei a mãe a limpar a casa, fui trabalhar, não ocupei grandes cargos, o salário sempre foi menor do que o dos homens. Eu tinha muita dificuldade de me socializar na escola, diante do meu corpo eu não tinha possibilidade em ser menino, eu fui ensinado a ser menina. Fui crescendo dessa forma, não me aceitando. Fui buscando estratégias para lidar com a minha insatisfação pessoal. Me envolvi com drogas, tentei suicídio. Me libertei do vício, depois casei de véu e grinalda. Só então na fase adulta que eu descobri que eu era transexual”.
Esse foi o relato corajoso do único homem presente no Encontro das Mulheres, Christian é um militante do movimento transexual e trouxe para a atividade o seu relato de vida. Ele pediu desculpas por estar num espaço tão importante para o empoderamento das mulheres, mas na sua trajetória ele já sentiu na pele o que é ser mulher numa sociedade machista. “Eu pude viver de perto o que é ser mulher, eu sei o medo que é passar sozinho numa rua escura”. De acordo com Christian assim como as mulheres, os transexuais também não tem espaço de fala, também sofrem com o machismo e passam por várias situações de violência.
Outro ponto discutido na mesa foi o racismo tão presente em nossos dias. A pesquisadora e doutoranda da USP, Cristiane Mare da Silva também trouxe para o debate a sua história de vida e como a sociedade tem muito presente o pensamento colonizador de inferiorização dos povos negros. Cristiane que é mãe de dois filhos, vê nas crianças a repetição do racismo que sofreu e ainda sofre na sua vida. “Cerca de 84 jovens negros morrem por dia vítimas de violência. Se matam meu pai, matam meu irmão e meus filhos chegam chorando da escola, não há como dizer que no Brasil existe um racismo velado”.
Cristiane afirma que se os corpos negros são torturados, os corpos das mulheres negras sofrem uma asfixia ainda maior. Para ela não se trata de vitimização, ou uma competição entre os condenados da terra, o mimimi como a gente sempre escuta. Mas o de assumirmos políticas transversais nas áreas de moradia, saneamento básico, da saúde, acesso à educação e sua permanência, valorização do trabalho, reflexões que garantam assistência, economia e o bem viver dessas mulheres.
No debate o tema de violência contra as mulheres também foi debatido. A Secretaria de Mulheres da CUT-CE, Ozaneide de Paula, trouxe a experiência dos trabalhos das mulheres ativistas do Ceará, que criaram rodas de conversa com as mulheres vítimas de violência. Para ela é preciso que esse debate seja visto como uma questão política, social e cultural. “As mulheres precisam sentir que unidas podem sair desse ciclo de violência”.
Planejamento - A manhã do dia 3 de fevereiro ficou reservada para o planejamento das ações para as mulheres cutistas. De forma coletiva elas escolheram quais temas devem ser tratados ao longo dos anos e como criar ações para que relatos de violência e preconceito contra as mulheres sejam situações extintas da sociedade. Sueli Silvia Adriano, Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT-SC ficou feliz do envolvimento das mulheres na atividade. “Desafios, desabafos, abraços e companheirismo. Talvez essas palavras definam o nosso encontro. Agora precisamos tirar do papel o que pensamos fazer. Trabalho e luta não nos faltará, mas garra e energia nós temos”, destacou Sueli.