Por 7 votos a 3, a Corte decidiu pela inconstitucionalidade da norma que liberava sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol. Segundo a CNTS, a toxicidade desses medicamentos ao organismo humano é desconhecida, e a Anvisa, como órgão fiscalizador da eficácia e da segurança dos anorexígenos, recomenda sua proibição no país.
O Supremo Tribunal Federal acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5779, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde – CNTS e declarou inconstitucional a Lei 13.454/17, que autorizava produção, comercialização e consumo de substâncias inibidoras de apetite, são elas: sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol. Por sete votos a três, a Corte entendeu que, a norma, ao contrariar recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e autorizar a produção das substâncias, não protege de maneira eficiente o direito à saúde e ofende o princípio da proibição do retrocesso social, que impossibilita a adoção de medidas que visem revogar direitos sociais já consagrados na ordem jurídica.
Na ação, a Confederação afirma que a Lei representa sério risco à saúde da população brasileira, uma vez que diversas agências de saúde internacionais comprovaram a ineficácia das substâncias, atestando o aumento de 16% no risco de problemas cardiovasculares. Além disso, a CNTS sustenta que a lei fora editada sem prévia motivação e justificação administrativa plausível ou interesse público relevante, contrariando a Anvisa, que, como órgão fiscalizador da eficácia e da segurança dos remédios para emagrecer, recomenda sua proibição no país, em razão de seus graves efeitos adversos, como dependência física e psíquica, ansiedade, taquicardia, hipertensão arterial. Ao permiti-los no Brasil, há desrespeito aos direitos à saúde, à segurança e à vida e a princípios como o da dignidade da pessoa humana.
A ação da CNTS foi defendida pelo escritório Mota e Advogados Associados, sendo representado pelos advogados Kamilla Flávila Lelés B. Maniero, Mariana Prado Garcia de Q. Velho, e José Pinto da Mota Filho.
Para Kamilla Flávila, advogada do escritório e assessora jurídica da CNTS, a decisão do Supremo garante proteção à saúde da população e fortalece o papel da Anvisa, que tem competência legal para a regulação do registro sanitário dessas substâncias. “A CNTS possui a missão de defender a dignidade profissional dos trabalhadores na saúde e debater, sempre que preciso, sobre os potenciais riscos à saúde da população brasileira em face do mau uso e do consumo de medicamentos sem eficácia e segurança comprovadas. A execução da política de controle dos anorexígenos e outros medicamentos está a cargo da Anvisa e não pode ser substituída por uma escolha política do legislador, por ofender o princípio constitucional da Separação entre os Poderes. Nesse sentido, assegurar a efetividade do direito à saúde do brasileiro foi o elemento motivador da CNTS na impetração da ADI 5779”, afirmou.
Histórico – A lei que liberava esses remédios foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), em 2017. Na época, Maia assumiu temporariamente a cadeira de presidente da República na ausência de Michel Temer. Quando foi aprovada, a lei sustou os efeitos de uma resolução da Anvisa de 2011, que havia proibido a comercialização de alguns medicamentos desse tipo.
Com a decisão do STF, a Anvisa informou, via nota, que deve retomar a vedação sobre o uso e comercialização dos medicamentos à base de anfepramona, femproporex e mazindol, proibidos em 2011 pela Agência, antes da alteração feita no Congresso. Já a sibutramina foi autorizada para determinados perfis de pacientes e com dose máxima diária também em 2011 e deve continuar permitida dentro das regras impostas pela Agência.
Julgamento – O relator do caso, o ministro Kassio Nunes Marques, foi contra derrubar a lei sob o argumento de que o Congresso legislou para proteger as pessoas com obesidade. O ministro Edson Fachin divergiu ao afirmar que a definição de regras sobre o medicamento cabe exclusivamente à Anvisa. “A decisão tomada pela Anvisa tem por finalidade garantir segurança do produto destinado à saúde humana”, afirmou.
Em seu voto, o ministro Edson Fachin, que foi seguido pela maioria dos ministros, avaliou que a atuação do estado por meio do Legislativo não pode autorizar a liberação de medicamentos sem a observância mínima dos padrões de controle previstos em lei e veiculados por resoluções da agência reguladora. “O texto da lei impugnada e sua interpretação conduzem à indevida dispensa do registro sanitário e das demais ações de vigilância sanitária, razão pela qual declaro a inconstitucionalidade integral da lei e julgo totalmente procedente a ação”, disse Fachin.
Para o ministro, a liberação da produção e da venda de qualquer substância que afete a saúde humana deve ser acompanhada de medidas necessárias para garantir a proteção suficiente do direito à saúde, exigência que, a seu ver, é efetivada pelo registro prévio.
Fachin foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Proteção insuficiente – A ministra Cármen Lúcia se associou à divergência aberta ontem pelo ministro Edson Fachin. A seu ver, não se pode considerar válida uma lei que ponha em perigo a saúde, por inobservância dos princípios da prevenção e da precaução. No caso, ela considerou que a norma deixa insuficiente a proteção à saúde e, portanto, não é compatível com a Constituição Federal.
Retrocesso – No mesmo sentido, o ministro Ricardo Lewandowski assinalou que a Anvisa tem o dever de editar atos normativos que visam à proteção da saúde e não podem ser revogados por lei sem se garanta igual proteção à saúde da população, sob pena de infringência ao princípio da proibição do retrocesso. Para ele, o Congresso Nacional extrapolou seu dever de editar leis com caráter abstrato e decidiu regular o tema atuando no caso concreto. O ministro citou precedente em que o Supremo assentou que o Congresso não pode autorizar a distribuição de medicamentos sem controle prévio de viabilidade sanitária.
Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade, ao passo que “a lei provoca o curioso efeito de tornar indisponível a realização de qualquer juízo técnico acerca do registro das substâncias em referência”, afirmou. Além disso, ressaltou que três das quatro substâncias são proibidas nos Estados Unidos, União Europeia, Canadá, Suíça e Singapura.