Medida que acaba com incentivo fiscais para empresas pode fazer com que companhias deixem de ofertar o vale, prejudicando 22,3 milhões de trabalhadores.
Mudanças propostas na reforma tributária – PL 2.337/21 podem fazer os trabalhadores perderem o vale-refeição e o vale-alimentação que recebem das empresas. Hoje, as empresas que oferecem esse benefício aos empregados têm direito de abater essa despesa do Imposto de Renda – IR no regime de lucro real. Por sugestão do governo, o relator da reforma tributária, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), propôs acabar com esse benefício fiscal. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que o fim da isenção pode incentivar os patrões a cortarem o benefício.
Segundo o Ministério da Economia, 280 mil empresas oferecem vale-alimentação e vale-refeição para parte dos 22,3 milhões de trabalhadores dessas firmas. Quem não recebe o vale, tem o direito de receber a alimentação pronta. Os benefícios fazem parte do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, criado em 1976 para reduzir o nível de desnutrição de quem trabalhava com carteira assinada.
O vale-alimentação e o vale-refeição estão previstas na maioria dos acordos coletivos. Com o fim do benefício fiscal, o empregador pode não querer manter essa cláusula no acordo coletivo posterior. “Há risco de prejuízo para os trabalhadores se os patrões não quiserem mais conceder o benefício”, avalia Maurício Corrêa da Veiga, advogado trabalhista.
A Receita estima que deixará de arrecadar R$ 1,3 bilhão neste ano com essa isenção fiscal. Caso a proposta seja aprovada pelo Congresso, o relator prevê que o governo arrecadará R$ 1,4 bilhão em 2022 e R$ 1,5 bilhão em 2023.
Governo estudava reduzir isenção desde janeiro – O próprio governo já discutia desde janeiro reduzir a isenção para as empresas que fazem parte do PAT. Minuta de decreto para reformular o programa foi colocada em consulta pública pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia. A minuta previa que as empresas poderiam abater do IR apenas as despesas com os benefícios concedidos a trabalhadores com renda de até R$ 3.500.
Essa proposta opôs a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e a Secretaria Especial da Receita Federal. De um lado, os técnicos do trabalho defendiam o benefício como forma de garantir a boa alimentação dos empregados. Do outro, técnicos da Receita criticam o incentivo fiscal.
Para compensar corte maior do IR das empresas na reforma tributária, o ministro da Economia, Paulo Guedes, determinou o corte de benefícios fiscais para diversos setores da economia e incluiu na proposta o benefício para as empresas que participam do PAT. Procurado, o Ministério da Economia afirmou que o relatório é preliminar e está sendo revisado.
Acordos coletivos garantem o benefício – O pagamento do vale-alimentação e do vale-refeição para o trabalhador e a garantia da isenção fiscal para empregador dependem de a concessão do benefício estar prevista em acordo coletivo, declarou o advogado trabalhista Maurício Corrêa da Veiga. Segundo ele, se o fim da dedução dessas despesas for aprovado, o patrão poderá deixar de conceder o benefício.
O economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC, Fabio Bentes, declarou que a proposta afeta trabalhadores e o setor de bares e restaurantes. “O trabalhador pode perder um benefício com a aprovação da proposta. Se o empregador deixa de conceder esse benefício, isso terá impacto negativo no faturamento de bares e restaurantes, um dos mais afetados pela pandemia, com as medidas que restringem a circulação de pessoas”, declarou.
Fim da isenção afeta bares e restaurantes – O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – Abrasel, Paulo Solmucci, também afirmou que o fim da isenção é ruim para os trabalhadores e para o setor que representa. Segundo ele, bares e restaurantes que aceitam pagamentos por meio do vale-refeição podem ter o faturamento ainda mais prejudicado, diante das restrições impostas pela pandemia da Covid-19.
Solmucci diz que participava das discussões com o governo para aperfeiçoar as regras do PAT, mas não para acabar com a isenção. “Desde janeiro, estávamos debatendo esse tema com a Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia. O PAT tem 45 anos e trouxe enormes benefícios para o trabalhador e para o setor de bares e restaurantes. Sem mais nem menos, vão acabar com o programa. É um exemplo de liberalismo sem transparência e sem debate com a sociedade. Somos contra essa medida”, afirma Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.