Via CNTS
A nova redação inclui na Constituição os termos “por ato administrativo, lei ou decisão judicial”. Esse arranjo, segundo especialistas, dificulta o acesso a remédios e tratamentos obtidos com decisão judicial
Se a reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro for aprovada no Congresso Nacional, os benefícios e serviços garantidos pela Seguridade Social poderão ser drasticamente reduzidos. Até mesmo a distribuição de remédios a pacientes da rede pública de saúde obtidos por meio de decisão judicial corre o risco de diminuir ou acabar. Um dos pontos da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 6/2019 é a proibição de que decisões judiciais que garantam o direito a tratamento de alto custo sejam pagas pelo Estado, condenando a morte centenas, senão milhares de pessoas cuja vida depende desses medicamentos de altíssimo custo.
O texto propõe a alteração na redação do parágrafo 5° do artigo 195 da Constituição Federal com a inclusão do seguinte texto: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total”. Isso pode impactar diretamente na concessão de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde – SUS via decisões judiciais, pois o Judiciário ficaria impedido de prover ou ampliar um benefício sem que haja uma fonte de custeio.
“Ao se dizer que uma decisão judicial não pode ser proferida sem fonte de custeio, está se violando a possibilidade de acesso à Justiça. Essa é uma cláusula pétrea [que não poderia ser alterada]”, afirma Roberto Dias, professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV/SP. Para ele, este trecho é inconstitucional. Porém, o relator da reforma na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Marcelo Freitas (PSL-MG), já deu aval ao texto.
“É um texto completamente inviável. É uma medida que cerceia o acesso à Justiça e à saúde, que são cláusulas pétreas, não podem ser alteradas”, afirma o coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP do Estado de Sergipe, Arthur José Nascimento Barreto.
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais – Ajufe, Fernando Mendes, cabe a um magistrado apenas julgar, interpretar as leis e a Constituição para chegar a uma decisão. “Não é papel do juiz entrar em questões orçamentárias, alocar recursos, ou de alguma maneira definir de onde vão sair os recursos”, diz Mendes.
Atualmente já há leis que obrigam juízes a atentar às consequências de decisões. Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, essas normas, no entanto, não se sobrepõem à Constituição, que a PEC visa alterar. “Uma coisa é uma norma ordinária, outra é uma norma constitucional”, diz Mendes.
Doenças Raras – Dados do Ministério da Saúde mostram que 90% do total gasto para atender sentenças judiciais se refere a remédios para tratamento de doenças raras. Hoje, a pasta cumpre sentenças de 14.785 processos. A maior parte é de medicamentos – 82%, em seguida vêm procedimentos –10%, internações – 5% e insumos – 3%.
Existem medicamentos de alto custo dispensados pelas farmácias especiais dos estados cujos valores são da ordem de R$2 mil a R$13 mil. E mesmo esses medicamentos que já estão na lista de dispensação obrigatória pelo governo, não estão sendo encontrados nas farmácias, obrigando os pacientes a procurarem o Ministério Público para ajuizar ação para garantir os seus direitos.
Para piorar a situação, o governo autorizou aumento de 4,33% nos preços dos medicamentos desde o começo de abril. Conforme decisão da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – Cmed, o percentual poderá ser aplicado a todas as faixas de remédios.