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Postado em 20 de outubro de 2016 Por Em Brasil, Notícias E 892 Views

Estudantes ocupam cerca de 800 escolas no Paraná e dão aula de luta por seus direitos

Por Priscila dos Anjos via Maruim

Nos últimos onze dias, quem chega no Colégio Estadual Pedro Macedo no começo da noite, é logo convidado para jantar. “Gente, uma pergunta. Alguém aí é vegetariano ou vegano?”. O questionamento vem das meninas do Núcleo de Base (NB como chamam) da alimentação, que lá pelas 20h começaram a preparar o jantar. Para os não vegetarianos o cardápio foi macarrão parafuso e carne moída, para os vegetarianos espaguete e molho. Salada de frutas e pavê de chocolate fecharam o jantar.

Mas não é fácil entrar na escola. É preciso ter justificativa para entrar e documentos em mãos, além de passar por uma revista nos pertences, que no escuro da noite é feita com a lanterna do celular mesmo. Após a vistoria, nome e RG são anotados em uma lista de visitantes. No balcão da recepção ficam expostas as carteirinhas dos estudantes que estão na escola no momento. Essa foi a forma que a estudante Marcella encontrou para monitorar a entrada e saída dos ocupantes.

A organização meticulosa foi idealizada por Marcella, aluna do Técnico em Administração oferecido no Pedro Macedo. Em planilhas salvas em seu computador a estudante atualiza os nomes dos membros de cada NB (Segurança, alimentação, recepção, saúde, agenda, coordenação e comunicação), e a entrada de alimentos, que são estocados nas mesas do refeitório. Segundo os estudantes, a doação de alimentos é espontânea e quase todos os dias gente que nunca viram na vida entregam mantimentos na escola.

A chegada de visitantes na ocupação mobiliza todo o NB de segurança. Bruna, a ocupante que revista as bolsas, antes de deixar que os recém chegados desçam para o pátio leva o seu walkie-talkie a boca e fala: “Se sabe com quem está a chave?”. A comunicação na segunda maior escola, em extensão, de Curitiba se dá assim, por radinhos portáteis usados antes pelos seguranças do colégio.

A ocupação no Colégio Pedro Macedo ocorreu no dia 11 de outubro, às 21h, e reuniu estudantes de diversas séries. Quatro horas depois foi criada uma página na rede social Facebook. A primeira publicação foi uma nota oficial que informava a realização da ocupação: “O Colégio Estadual Pedro Macedo foi ocupado nesta terça-feira (11), devido ao retrocesso na Educação e políticas públicas. Nas quais podemos citar, a PEC 241 e a Medida Provisória (MP 746), que prevê a R(d)eforma do ensino médio”.

As conversas entre os estudantes começaram na primeira semana de outubro quando o Movimento Ocupa Paraná contabilizava 50 escolas ocupadas no estado. Adolescentes que mal se viam na instituição estadual começaram a trocar informações, nos corredores, por meio de uma linguagem de códigos. A pizza era o pessoal que pretendia ocupar politicamente a escola, e os ingredientes, o que eles precisavam para ocupar.

Na noite da ocupação, os alunos do período noturno foram liberados antes do final do turno e os fios das câmeras da escola foram cortados pelos funcionários, por ordem da diretoria do Colégio. Dias depois da ocupação os estudantes publicaram nas redes sociais uma lista dos danos encontrados no prédio da escola no primeiro dia de ocupação. “Ao ocuparmos, nos deparamos com vários itens danificados. E nos surpreendeu também a falta de outros. Estamos publicando este relatório em função do grande número de problemas encontrados”.

Hoje, cerca de 30 estudantes trabalham em equipe, alguns afirmam que já fazem parte da mesma família. “Não nos conhecíamos, agora é como se fossemos irmãos” disse uma estudante. Na primeira Assembleia dos ocupantes, Isabelle do 4° ano do Ensino Técnico, se surpreendeu ao descobrir que tinha muito o que falar sobre a situação da educação no país.“Eu sempre fui quietinha, mas na assembleia quando comecei a falar, nossa, eu nem sabia que conseguia falar tanto assim”, explicou Isabelle.

Apesar da aproximação do ENEM e do vestibular, há na ocupação alunos do terceiro ano do ensino médio da Pedro Macedo. No refeitório, onde 15 alunos esperavam pela atividade sobre democratização da mídia, a estudante do terceirão, Gabi, se apresentou dizendo: “Quero ser professora da disciplina de Artes”. Ao educador popular Luis Alves Pequeno e seu violão, a estudante pede qualquer música de Belchior e depois de encorajada a começar uma música, recita, em uma nota só e sozinha a canção Galos, Noites e Quintas:

“Eu era alegre como um rio,

um bicho, um bando de pardais;

Como um galo, quando havia…

quando havia galos, noites e quintais.

Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo

o mal que a força sempre faz.

Não sou feliz, mas não sou mudo:

hoje eu canto muito mais”

Enquanto a plateia boquiaberta aplaude Gabi, ela diz: “Cara eu amo essa música”.

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