O PL infringe princípios da Constituição Federal, aumenta a desmobilização e desunião entre os trabalhadores e institucionaliza a injustiça no ambiente de trabalho
Por Silvana Abramo (ANAMATRA).
A terceirização é uma opção de organização empresarial para expandir o capital e aumentar lucros.
Para os trabalhadores significa precarização dos contratos de trabalho, salários menores, alto risco de acidentes e doenças, falta de isonomia com os trabalhadores contratados diretamente pelos tomadores e maior exposição à falta de pagamento de verbas decorrentes das rescisões dos contratos, à falta de depósitos do FGTS e de recolhimentos previdenciários, entre outros problemas.
O PL 4330/2004, de autoria do ex-deputado Sandro Mabel, está na pauta do Congresso Nacional desta semana. Significa grave retrocesso nas relações sociais e trabalhistas e tem consequências para toda a sociedade.
Dentre seus aspectos mais graves está o de tornar regra o trabalho precário, que na nossa legislação, é tratado como exceção.
Não podemos aceitar que seja aprovado, pelos seguintes motivos:
A Constituição Federal fixa como valores supremos o exercício dos direitos sociais, a igualdade e a justiça, e é absolutamente clara e expressa em colocar como fundamento da nação a dignidade da pessoa humana e a igualdade de todas as pessoas frente aos direitos sociais – e aqui estão dos direitos trabalhistas. Estabelece que a regra nas relações de trabalho, (art. 7º – relação de emprego protegida) é a contratação direta entre o empresário e o trabalhador, o que também prevem os artigos 2º e 3º da CLT;
Também estabelece a proibição de retrocesso, ou seja, a diminuição dos direitos individuais e coletivos já alcançados, especialmente os que dizem respeito aos direitos humanos e fundamentais, nos quais se encontram os direitos dos trabalhadores;
As normas internacionais sobre o trabalho – As Convenções da Organização Internacional do Trabalho, especialmente a Convenção nº 100 – sobre a igualdade de remuneração e a Convenção nº 111 – sobre a proibição de discriminação, também proíbem diferenças de tratamento entre trabalhadores de igual situação.
A terceirização é usada para aumentar os lucros das empresas mediante a redução dos seus custos com os pagamentos dos trabalhadores. De outra forma, a utilização de serviços terceirizados não tem interesse econômico e deixa de ser fonte de aumento de lucratividade para as empresas que a utilizam.
O PL 4330/2004 acaba com a separação entre atividade meio e atividade fim e autoriza qualquer trabalho em “serviços determinados e específicos”, o que abrange qualquer tipo de serviço.
Nesse sistema um mesmo trabalhador pode trabalhar anos para uma determinada empresa, com muitos contratos sucessivos curtos com empresas prestadoras, que muitas vezes não pagam seus direitos, colocando-o em situação insegura e em contínua redução de salários e outros benefícios que poderia obter as normas de sua categoria sindical.
Isso compromete o projeto de nação definido pelos Constituintes de 1988, que permanece em vigor até hoje. Ele não se compatibiliza nem os princípios da Constituição, nem com as normas internacionais nem com a legislação trabalhista hoje existente.
É inconcebível que trabalhadores que realizem suas tarefas lado a lado recebam uns menos que os outros, e é isso que acontece entre trabalhadores contratados diretamente e os terceirizados de empresas que fazem unicamente colocação de mão de obra para outras empresas.
Não se pode admitir que empresas existam e atuem sem ter trabalhadores em suas atividades principais, como por exemplo, o que temos visto muito, hospitais sem contratos diretos com médicos e enfermeiros ou escolas sem professores.
A diminuição dos salários diminui a arrecadação da previdência social e a capacidade de compra dos trabalhadores, afetando o mercado interno e criando situação econômica muito desfavorável ao país.
Do ponto de vista das empresas que usam a terceirização para simples colocação de mão de obra o sistema só é vantajoso se houver sonegação e rebaixamento de direitos trabalhistas, porque se os salários dos terceirizados e demais direitos trabalhistas deles for exatamente igual aos dos empregados diretos, a empresa tomadora terá que pagar para a empresa prestadora o mesmo valor que paga aos seus empregados diretos acrescido do valor relativo ao pagamento à empresa prestadora – seus gastos e lucro. Assim, esse sistema só dá lucro para as duas empresas se os valores pagos ao trabalhador forem menores do que os pagos aos trabalhadores diretos.
A autorização de trabalho terceirizado em qualquer atividade, seja nas auxiliares não vinculadas aos objetivos centrais da empresa, (atividade meio) seja nas atividades relativas ao próprio objetivo da empresa (atividade fim) estabelece duas classes de trabalhadores, e acaba com a estrutura de representação sindical dos trabalhadores, debilitando as entidades que lutam por melhores condições de trabalho, vez que não haverá mais trabalhadores metalúrgicos, ou comerciários, mas simplesmente, prestadores de serviços.
As estatísticas comprovam que o número de acidentes do trabalho e de doenças em razão do trabalho é muito maior entre os trabalhadores terceirizados o que, não fosse pelo fundamental direito à vida e ao trabalho digno e saudável de todos, tem ainda o efeito nefasto de aumentar os gastos estatais com o sistema único de saúde e da previdência social, diminuindo a produtividade do país e a geração de renda.
Como se não bastasse, nas empresas terceirizadas estão os casos mais graves de trabalho degradante, como o trabalho escravo e o trabalho infantil. A criação e manutenção de empresas terceirizadas que fraudam a legislação e se mantém com contratações de grandes magazines, empresas que estabelecem cadeias de produção de quatro, cinco outras prestadoras, sem se responsabilizar pelas condições em que trabalham milhares de pessoas, inclusive migrantes, como bolivianos e haitianos, muitas vezes vítimas do tráfico internacional de pessoas.
Por esses motivos os Juízes do trabalho não podem aceitar a redução dos direitos dos trabalhadores e tem lutado, através de sua Associação Nacional, a ANAMATRA, contra a aprovação do PL 4330 e pela manutenção dos parâmetros objetivos fixados pacificamente pela jurisprudência do TST – Tribunal Superior do Trabalho, na sua súmula 331, que estabelece:
a legalidade da prestação de serviços temporários, e a ilegalidade de locação de mão de obra, ou contratação por empresa intermediária, a conhecida comercialização de mão de obra.
se inexistir subordinação e pessoalidade, é legal a contratação de empresas de prestação de serviços de vigilância, limpeza e em atividades meio
Se esse empregador prestador de serviços não pagas os direitos trabalhistas, a empresa tomadora dos serviços tem que se responsabilizar por eles (responsabilidade subsidiária)
se for ente público (governos federal, estadual ou municipal) não se pode reconhecer o contrato de trabalho mas ele será responsabilizado pelo pagamento, se a prestadora não pagas, e também nesse caso o administrados que firmou o contrato será responsabilizado pessoalmente.
Essa diretriz é amplamente conhecida das empresas, dos governos e aplicada pela Justiça do Trabalho, sem margem de dúvidas e não gera a chamada insegurança jurídica.
A jurisprudência trabalhista também já cristalizou o que se entende por atividade fim e atividade meio, e por essa razão os juízes trabalhistas por meio de sua associação nacional ingressaram em ação que tramita perante do Supremo Tribunal Federal, para que esses conceitos não sejam alterados e não seja permitida a terceirização na atividade fim.
Concluindo, O PL 4330/2004 tem benefícios imediatos para muitos empresários mas tem alto custo para toda a sociedade e prejuízo para os trabalhadores.
Nenhum passo atrás, nenhum direito a menos.
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Silvana Abramo é Diretora de Direitos Humanos e Cidadania da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA. Desembargadora do TRT da 2a Região. Colabora com o Blog da Boitempo especialmente para o Dossiê Terceirização.